Sigmund Freud, o pai da psicanálise, dizia que a loucura faz parte de todos nós, e que o louco era somente uma pessoa normal que foi vencida pelos impulsos de seu subconsciente, vendido pelo lado escuro da “alma”. Pois bem, em Hellblade: Senua’s Sacrifice conseguimos experimentar um pouco dessa sensação de domínio do subconsciente, em uma experiência tão visceral e perturbadora que promete colocar todos os seus sentidos à prova.
Desenvolvido pela Ninja Theory, a mesma do excelente “Enslaved: Odyssey to the West“, Hellblade é uma aventura totalmente oposta ao colorido Enslaved, apresentando ao jogador um mundo sombrio, solitário, onde os maiores medos da protagonista sequer podem existir, em uma dúvida que persiste no jogador até a conclusão final.
Corrida contra escuridão
Em seus primeiros momentos, o sentimento que o jogador terá em Hellblade é de medo, isto por que o jogo tem uma atmosfera bastante sombria, um cenário decadente cheio de corpos pendurados em estacas, destruição, chamas, um verdadeiro inferno, tudo permeado pela mitologia nórdica, tema central do jogo, que se vê presente não só no ambiente, mas também registrado pouco a pouco através de totens, que contam através de um narrador alguns contos mitológicos.
Conforme se avança no jogo, o medo cede lugar pela curiosidade, já que a jornada de Senua é tudo, menos convencional. Ela é uma mulher com históricos de transtornos psicóticos, devastada ainda mais pela barbárie dos “homens do norte”, que saquearam e assassinaram todos que moravam lá, e ela enfim vai até submundo de Helheim, libertar o grande amor da sua vida, Dillion. Sim, Hellblade é uma “Divina Comédia” protagonizada por uma mulher com transtornos mentais.
Além das vozes em sua mente, úteis em toda jornada, você no papel de Senua terá que lidar com sua loucura, com puzzles um pouco questionáveis e com o implacável escuridão, representada por inimigos sombrios com máscaras e aparências desfiguradas, que vão dar ao jogador o maior ponto alto do jogo, que são as batalhas com espadas, que apesar de simples, possuem um peso muito interessante, e poderiam ter sido melhor trabalhadas.
Falando em escuridão, ela permeia todo o jogo, inclusive em um dos pontos mais polêmicos do jogo. Conforme você morre, uma mancha negra começa a tomar o braço de Senua, e se você permitir através de sucessivas falhas essa mancha se espalhar, é game over, sendo preciso recomeçar o jogo do zero, sem choro nem vela, já que o jogo trabalha com save automático, não dando opção para o jogador criar savepoints.
Segredos de liquidificador
Um detalhe único e importante de Hellblade é o uso quase obrigatório de fones de ouvido. O trabalho de som do jogo é espetacular, com diversas vozes dizendo o que Senua deve fazer, como agir, como não agir e se contradizendo entre elas. Utilizando um fone de ouvido binaural, a coisa fica ainda mais realista, é bom lembrar que Hellblade foi desenvolvido com a ajuda de profissionais em psicologia e saúde mental, logo, as vozes na mente de Senua apresentam um realismo impressionante, e não são só conceituais, elas são importantes na jornada, indicando pontos importantes para resolver puzzles, avisando quando tem inimigos atrás de você e guiando Senua pelo caminho correto.
Falando ainda dos Puzzles, Hellblade possui uma porção deles, geralmente baseados em achar em elementos do cenários certas formas de manuscritos, eles são persistentes até o final da jornada, variando ocasionalmente, ainda sim bem escassos de ideias e um pouco enfadonhos, sem lá muita profundidade ou lógica.
Um indie com corpinho de AAA
Hellblade é no conjunto da obra um jogo belíssimo, com excelentes ideias e uma história envolvente. Os gráficos são um dos mais belos da geração, apresentando belas texturas, uma personagem extremamente humana, onde vale destacar a atuação de Senua, extremamente convincente, com expressões faciais muito realistas e ricas em detalhes, você sente a dor e o medo da personagem em cada sprite, de fato Senua é a estrela máxima do jogo, nada mais justo, já que Hellblade é uma jornada absolutamente pessoal.
Vale ressaltar que Hellblade não é um jogo longo, é possível completar a jornada em 8 a 10 horas, tendo lá uma sobrevida caso jogue em maior dificuldade, tendo a escuridão como um ponto de tensão, já que no final as coisas ficam um pouco complicadas e a chance de dar “game over” é grande. Já nos outros níveis de dificuldade as chances diminuem, já que a escuridão cresce lentamente, dando o jogador grandes chances de completar a jornada. Isso justifica o preço mais baixo do jogo, já que a grande produção do conjunto da obra é compensada com um jogo bem curto e um mapa pequeno.
Hellblade é legal, mas pode não ser para você
Definitivamente, este não é um jogo para todos, em boa parte da jornada ele é um “walking simulator”, aquele tipo de jogo onde você deve apenas seguir em frente e escutar a história que está se passando. Com parte do jogo bem calma, existe uma quebra dessa calmaria nas batalhas, em um jogo sem os principais clichês do gênero de ação, ou seja, nada de elementos de RPG, barras de vida, checkpoints, pontuação, loja e coisas do tipo.
Um jogo diferente com elementos inovadores e outros nem tanto, que pode separar jogadores em “AME OU ODEIE”. Eu particularmente gostei do jogo, apesar de ponderar que algumas coisas poderiam ter sido melhores, vale dar atenção aos momentos finais do jogo e as tensas batalhas contra chefes, que se fossem melhor exploradas, poderiam fazer de Hellblade um concorrente ao GOTY, já que sua história e conclusão arrebatadora valem a tortuosa jornada, enfim, mais um trabalho que define o estilo da Ninja Theory, que foca em jogos diferentes, com conceitos inovadores, mas que pode não agradar a todos.