Se há uma coisa certa na indústria do entretenimento, em diversas mídias diferentes, é que quando se descobre uma tendência de sucesso, ela é explorada à exaustão. Temos como exemplo os filmes de herói, os filmes de ação dos anos 90, essa onda de séries de retrô nos serviços de streaming – tentando conquistar audiência mais pelo saudosismo que pela qualidade – e outros mais.
No universo dos games, nunca foi muito diferente. Afinal, o crash dos anos 80 ocorreu pelas dezenas de jogos semelhantes que saíram para o Atari, lembram disso? Além do mais, quem viveu os anos 90 sabe que os jogos de plataforma eram praticamente mais do mesmo, sendo poucos os que se destacavam num universo de centenas de títulos.
Recentemente, nós jogadores, temos que conviver com trocentos jogos que aplicam, muitas vezes desnecessariamente, mecânicas da moda. O sistema de árvores de habilidades é um grande exemplo. Apesar de ser útil e divertido em vários títulos, é aplicado desnecessariamente em jogos como 9 Monkeys os Shaolin e Flynn: son of crimson, jogos que seriam igualmente bons, ou até melhores, caso não utilizassem esta mecânica.
Outra tendência que está sendo usada, até demais para a minha opinião, são games que usam criação de mapas procedurais – aqueles que para cada vez que é jogado é um mapa diferente. Não me levem a mal, eu já me diverti muito em jogos que usam essa mecânica, tais como Undermine, For the king e West of dead, mas será que aplicar uma moda em game design é o suficiente para fazer um jogo seja ao menos razoável? Bullets per minute nos mostra que não.
O título da Awe Iteractive, tem um trailer tão bom que me fez achar que poderia dar certo, mesmo a proposta em si não sendo atraente. A ideia do jogo é misturar elementos de sucesso de outros títulos tais como o Dungeon Crawler, criação de mapas procedurais, jogo de ritmo e matança desenfreada em FPS.
A ideia de um título fundamentado em atirar desenfreadamente contra hordas de monstros de forma ritmada casar bem com a exploração de dungeons procedurais não é inconcebível. Esta ideia poderia, sim, dar certo, mas necessitaria de um maior cuidado, ou talvez investimento, para que tornasse BPM um game mais aprazível. Infelizmente, o resultado apresentado é tão incômodo que dificilmente atualizações discretas conseguirão fazer dele um jogo melhor e é isso que eu explico nas linhas abaixo.
Tecnicamente deficiente
Em termos de gráficos e som, BPM deixa muito a desejar. Principalmente porque ambos os aspectos além de não serem agradáveis, são incômodos neste jogo.
A variação de cor entre o jogo de iluminação e sombra é grosseira ao ponto de eu lembrar de jogos mais simples do Nintendo 64, onde as variações de tons ganhavam um aspecto manchado. Não obstante, a renderização dos objetos em cenário é pouco detalhada até para os padrões mais simples de hoje, mostrando uma aparência de geração passada.
Quando damos atenção aos efeitos sonoros, aí é que o jogo se perde mesmo, principalmente por ser um título fortemente ligado a sua trilha sonora. As músicas começam muito boas até, com uma pegada de banda de início dos anos 2000, como The Rasmus e Good Charlotte, porém são extremamente repetitivas e cansativas.
Depois de um tempo ouvindo os mesmos acordes, tocando em loops curtos, eu quis muito poder ouvir um podcast, ou qualquer outra coisa, enquanto jogava, porém, não podia pois a dinâmica do jogo obriga a acompanhar o ritmo apresentado. Esse efeito enfadonho começa a ser percebido com uma ou duas horas de jogatina e a partir daí, graças a necessidade de a usarmos, o jogo vira uma sessão de masoquismo.
Gameplay engessado e mal trabalhado.
Um dos pontos que mais me agoniou em BPM é o quanto o controle é engessado. Principalmente porque não há a opção de adaptar as funções individuais de cada botão, fazendo o jogador refém do que vem pré definido de fábrica.
O título até fornece mais de uma configuração, mas ainda sim é muito limitante não poder adaptar o controle ao jogador, e é um recurso usado em diversos games indies de baixo orçamento, o que nos faz pensar que não seria difícil a implementação. É claro que eu posso adaptar os botões direto no sistema do Xbox, mas isso é um trabalho a mais que o jogo não deveria oferecer, além de ter que refazer o processo sempre que o jogador for usar outro título.
Além do mais, as variações horizontais e verticais da câmera são, por default, mais sensíveis que a média dos FPS, muito provavelmente para aumentar a sensação de jogo de ação desenfreada, mas felizmente isso é ajustável.
Falando em ação desenfreada, isso é algo que categoricamente o game não oferece, e isso se deve a estrutura do gameplay, o que só ressalta a sensação de falta de planejamento do game design. Em diversos momentos há, sim, um combate intenso, mas isso se perde à medida que as salas vão sendo exploradas, pois como a mecânica do jogo nos faz revisitar salas já exploradas para comprar produtos, guardar moedas ou abrir segredos, ficamos vários momentos andando em salas vazias olhando nosso medidor de ritmos diminuir lentamente.
Explorando Masmorras
Para explicar melhor o último parágrafo é preciso explicar o conceito de Masmorra.
Uma masmorra clássica é um universo contido em si mesmo. Essa ideia vem desde os tempos áureos da primeira edição do D&D e se mantém até hoje, pois uma masmorra ignora a existência de qualquer outra realidade fora dela. Todos os problemas que esse universo – a masmorra – tem, podem ser solucionados com ferramentas dentro da própria dungeon.
Logo, por essa característica, qualquer dificuldade para se avançar poderá ter uma solução em outra área da masmorra. Essa solução pode ser uma chave, uma arma que nos permite enfrentar um inimigo específico e etc.
Em BPM essa estrutura é a base da exploração do jogo. Diversas ferramentas que facilitam o avanço nas masmorras apresentadas são encontradas em outras áreas da mesma dungeon. Por exemplo, a sala que pode conter uma arma mais poderosa, o que ajudaria a enfrentar o Boss, só pode ser acessada com uma chave que pode, ou não, está em uma sala que contém uma luta contra uma horda de monstros.
Isso também força o jogador a sempre ponderar se tirar um tempo para explorar as diversas salas para achar algum item, com a chance de sair delas com algum dano extra, vale a pena, ou se, talvez, seja mais vantajoso ir enfrentar o Boss com as ferramentas iniciais. Este é um recurso que eu acharia até divertido se não fosse outra mecânica do game: O medidor de ritmo.
O Game exige no modo padrão que o jogador atire no ritmo da música. Acertar o ritmo aumenta o medidor e diminui a cadência de tiros que o jogador pode utilizar. Por outro lado, errar o ritmo, ou ficar muito tempo sem atacar algum inimigo faz o medidor cair, o que aumenta a cadência o que torna os embates mais difíceis.
Agora imagina como fica esse medidor quando para progredir no jogo, temos que voltar para outra sala num percurso que já não tem mais inimigos. Sim, é difícil manter o medidor de ritmo ativo e é uma mecânica que vai de encontro a proposta de exploração, o que nos faz voltar ao que já foi falado nesta análise que é a sensação de falta de planejamento do gameplay, ou seja – problemas de game design.
O quanto é divertido?
A essa altura da análise você, leitor, já deve saber que o jogo, em seu modo padrão, não é divertido. Porém, os desenvolvedores tentam criar ferramentas para burlar essa bagunça de mecânicas que o título oferece – como as opções de alternativas de configuração de controle, por exemplo – resta saber o quanto essas opções funcionam.
O jogo basicamente oferece 3 ferramentas para tornar o jogo mais deleitável: Um modo tutorial, as opções de configuração extra e o auto-ritmo. Enquanto os dois primeiros ajudam em quase nada em tornar o jogo melhor, o terceiro também não, porém, por motivos diferentes.
O auto-ritmo realça outro problema do jogo, que é a simplicidade dos inimigos. Essa mecânica tira a necessidade do jogador ter ritmo, dando aspectos de um fps puro ao título. Contudo, tirando a barreira de acompanhar a música, fica fácil ver que os adversários têm padrões simples e repetitivos e utilizam uma IA fraca, se é que usam.
Cabe aqui a observação de que usar movimentos aleatórios e não utilizar IA não é sinônimo de jogo ruim. Cuphead, por exemplo, segue exatamente este estilo e é aclamado pela crítica e pelos próprios jogadores.
Porém em um FPS, em 2022, inimigos tão simples não caem bem. Claro que dentro do padrão rítmico, esses inimigos simples talvez – foquem no “talvez” – sejam obrigatórios. Contudo, a versão default do jogo não é aprazível, e a versão rhythm free também se mostrou um tanto quanto enfadonha.
Esta análise só foi possível graças a Playtonic Friends e a Awe Interactive, que gentilmente nos disponibilizaram uma cópia para avaliação do jogo, fica aqui o nosso agradecimento pela confiança. O jogo já está disponível para Xbox One e Xbox Series X|S e pode ser adquirido por meio do nosso link afiliado no final desta análise.