Em dias estressantes, poucos jogos são melhores para relaxar e descontrair do que jogos de Simulação, como The Sims, ou os jogos do gênero City Builder (SimCity e Cities: Skylines são alguns dos exemplos mais populares e atuais). Você passa ao papel de construtor de uma pequena cidade, com suas demandas e dificuldades, e a partir de observação e experimentação resolve os problemas de seus habitantes ao mesmo tempo que expande uma pequena cidade residencial em uma metrópole industrial com grandes complexidades: problemas ambientais, de mobilidade urbana, criminalidade, etc. Mas o que fica evidente – e o que define o gênero – é o fato de a cidade estar em suas mãos: você enriquece pelos seus méritos e sucessos, e passa por apertos financeiros a partir de seus erros.
Tendo em vista o nível de complexidade do gênero, acho indigno definir Building Have Feelings Too dentro do hall de City Builders, ou mesmo Simulação. Definir o jogo dentro destes complexos gênero é absolutamente pretencioso, e um erro de quem não passou 10 minutos com o jogo aberto.
Minha opinião e sensação é de que joguei um Puzzler, pois existe uma ordem e logica extremamente restrita na jogabilidade: você pode simplesmente decorar a ordem com que faz todas as ações do jogo caso tenha que reiniciar seu progresso. Logicamente que essa é minha humilde opinião, baseada mais na minha vivência e experiência com jogos do que em “fundamentos” dos gêneros de jogo.
Dito isso, vamos à análise mais detalhada dos aspectos do jogo.
Modos de Jogo e Mapa
Tradicionalmente, jogos de gerenciamento possuem dois modos de jogo: um modo Campanha – onde você deve cumprir determinados objetivos para passar ao próximo estágio, com pedaços da história (quando existe) sendo explicados em cada missão – e um modo Sandbox que te dá total liberdade na construção e gerenciamento dos recursos em um mapa sem objetivos, permitindo uma jogatina sem fim e sem limites a não ser o tamanho dos mapas.
Building Have Feelings Too possui apenas o modo Campanha, com um conjunto de objetivos a cumprir de forma a abrir novas cidades, cada uma apresentando uma variedade maior de construções a utilizar e novos desafios para serem superados. Isso faz com que a experiência com o jogo seja extremamente linear e mata qualquer valor de replay que pudesse existir. Dentro da cidade, o Mapa é uma plataforma 2D, dividida em “bairros” que são desbloqueados conforme você progride nos objetivos e vai se informando sobre a história do jogo, que é bastante simples: você é um prédio no início do ano de 1900 que começa a viajar por diversas cidades, descobrindo que as transformações do Século XX estão ameaçando os antigos prédios – que precisam mudar para se adaptar à nova realidade dos tempos modernos, ao risco de serem demolidos e substituídos por novos edifícios. A inversão cômica, caricata e carismática das novas realidades de trabalho um ótimo exemplo é uma antiga fábrica se questionar se ela deve mudar para sobreviver, quase num nível filosófico) são uma das melhores características do jogo.
Interface, Dificuldade e Jogabilidade
A interface do jogo é simples, ao ponto de ser preguiçosa. Sou fá de interfaces minimalistas: Dead Space, por exemplo, utiliza o corpo do protagonista como HUD, dispensando as barras de vida e de munição nos cantos da tela, sendo um exemplo perfeito de uma interface minimalista utilizada corretamente. O ponto principal de uma interface simplificada e minimalista é ser extremamente intuitiva, onde você entende o que está acontecendo na tela sem 20 minutos de tutoriais explicativos. Isso não ocorre em Buildings Have Feelings Too. Logo no começo você é apresentado às funcionalidades do jogo, que vão se amontoando nos seus indicadores de interface. O que salva a confusão é que existe uma ferramenta de Dica, onde em vez de ter que ficar navegando nos submenus do jogo, os prédios explicam o que precisa ser feito. Muitas vezes o jogo apresenta um ícone sem legendas, e você precisa consultar os detalhes para entender o que o ícone quer dizer. São frequentes, também, as vezes em que uma atualização de prédio ativam uma insatisfação em cadeia no bairro inteiro e a falta de uma interface mais clara prejudica sua capacidade de lidar com esses desafios Minimalismo na interface é ótimo, apenas quando bem feito.
Importante lembrar, para nós brasileiros, que o jogo não possui nenhuma localização para o português.
Aprofundando-se na jogabilidade, novamente é tudo extremamente simples. Não há uma seleção de dificuldade, e a forma como o jogo é construído não exige níveis variados de dificuldade. Isso porque a jogabilidade é uma das mais engessadas que já experimentei na vida. É o tipo de jogo que um detonado te falaria para “construir prédio X no local Y, depois o prédio A na localidade B, para depois mover o prédio C para a localidade D”. Um dos recurso apresentados no início do jogo são Tijolos, que você usa para construir novos prédios e redefinir prédios existentes. Tijolos são ganhos apenas com a conclusão de objetivos e a atualização de prédios existentes, logo não há uma opção em tempo real de ganhos de recurso. Por isso a jogabilidade fica engessada, já que só basta descobrir qual prédio construir e atualizar na ordem correta. Para coroar, a quantidade de prédios de cada estilo (prédio comum, prédios altos, depósitos são os primeiros exemplos que aparecem no jogo) é limitado a uma quantia específica , dependendo da missão. Assim, novamente é mais uma questão de acertar o prédio que deve ser construído para cumprir os objetivos e ganhar certa quantidade de Tijolos para ter uma margem de erro na missão, caso você tenha que readaptar algum dos prédios – que vai acontecer em uma frequência que beira a frustração.
Boa parte das missões engloba atualizar os prédios – que tem 3 níveis. Para isso existe uma lista de necessidades que cada tipo de prédio possui: proximidade com uma destilaria, com uma quantidade específica de prédios residenciais, ou de comércio e por aí vai. Logo você percebe que tudo é um jogo de cartas marcadas, e a jogabilidade fica rasa ao ponto de se tornar monótona. Você pode também mover os prédios de uma bairro para outro, e infelizmente esse é um ponto importante da jogabilidade. Muito cedo você fica limitado a mover um tipo de prédio para outro bairro para ver se cumpre requisitos de atualização dos prédios e (vai por mim) não tem nada mais chato que ficar andando no mapa de um lado para o outro testando certos prédios em certos bairros e rezando para que tudo funcione.
Gráficos, Som e Diversão
Apesar da extrema simplicidade gráfica, é onde o jogo melhor se sai. O aspecto caricato dos prédios te conquista logo de cara, mas a ausência de interações mais complexas que um balão de fala genérico (um Escritório de Advocacia grita “Objeção!” em um balão de fala quando você interage com ele, por exemplo) transforma a humanização dos prédios em algo meramente estético e superficial. Fora durante as interações que ocorrem no progresso das missões de história, é frequente você esquecer o ponto alto do jogo – a inversão de um Building Simulator em que os prédios ganham vida – o que tira bastante do brilho que o trailer do jogo apresenta nessa dinâmica.
Superficial, também, é o áudio: os prédios não tem voz, a não ser um barulho de tijolos de chocando quando você interage com os prédios e o barulho dos seus passos. Também não há nenhum ajuda narrada no jogo. Dessa forma, a trilha sonora se torna o único recurso persistente de áudio, que faz com que você perceba muito cedo o quão repetitiva a trilha sonora do jogo é. Foi um alívio quando o jogo simplesmente parou de tocar a música do cenário.
Nesse ponto, vocês irão perguntar: o jogo é divertido?
A resposta, infelizmente, é não por vários fatores: a ausência de outros modos de jogo além da Campanha de deixa “preso” a uma história pouco interessante e um sistema de objetivos que nem sempre deixa claro o que precisar ser feito; um imenso potencial desperdiçado na abordagem cômica de um jogo do gênero Building Simulator, que simplesmente não explora o bastante o carisma de seus personagens; efeitos sonoros rasos, monótonos e pouco variados que acabam evidenciando os mesmos vícios na trilha sonora, que chega a ficar irritante com poucos minutos de jogatina; a interface do jogo é tão minimalista que esquece que seu propósito é informar o jogador do que está acontecendo na tela; por fim a proposta de construção extremamente engessada no espaço limitado, na quantidade de prédios que é determinada em algumas missões, no gerenciamento de recursos monótono que resulta das decisões criativas da equipe fazem do jogo uma experiência pouco memorável.
Esta análise só foi possível graças a Blackstaff Games e Merge Games, que gentilmente nos disponibilizaram uma cópia para avaliação do jogo, fica aqui o nosso agradecimento pela confiança. O jogo já está disponível para Xbox One e Xbox Series X|S (via retrocompatibilidade) e pode ser adquirido por meio do nosso link afiliado no final desta análise.