Lugares Sombrios – Amnesia: The Dark Descent

Como algo consegue ser, ao mesmo tempo, influente e anônimo? Ser capaz de catapultar inúmeras carreiras de personalidades hoje famosas e inspirar outras pessoas a elaborar suas criações, tudo isso enquanto, longe de ser esquecido, mantem-se afastado dos holofotes?

Amnesia: The Dark Descent, da Frictional Games, não foi o primeiro jogo do seu estilo. O ato de ter de fugir das ameaças em vez de enfrentá-las diretamente é algo abordado por jogos ao longo de décadas. Sem pesquisar muito, podemos recordar o oculto Hellnight, de Playstation 1, e o icônico (e ignorado pela desenvolvedora) Haunting Ground, para Playstation 2.

Por mais que não tenha sido o responsável por criar um gênero – principalmente quando lembramos que Penumbra, da mesma criadora, veio antes – mas foi aquele que engatilhou uma revolução silenciosa. De repente, desenvolvedoras perceberam que jogos em que você só pode se esconder de bichos feios podem sim dar certo, ao mesmo tempo, diversos Youtubers notaram que gritar enquanto jogam algo remotamente assustador pode ser bem lucrativo.

Em meio a tantos inícios de carreiras e centelhas de novas ideias que viriam a se tornar Outlast e Slender: The eigth pages, há um jogo. Um jogo razoavelmente simples sobre um homem sem memória que tenta se localizar em meio aos corredores sem fim de um antigo castelo na igualmente antiga região da Prússia. Ah, e há uma “sombra” atrás desse homem, que irá consumir carne, matéria e a própria razão na tentativa de capturá-lo. Mas, esse homem tem uma lanterna, então nem tudo está perdido.

Amnesia the dark Antessala

UMA DESCIDA NO FUNDO DA ESCURIDÃO.

Há algo de charmoso em jogos que se passam em uma única ambientação, mesmo que ela seja bem diversificada. Após um tempo, até mesmo a impossível casa mais antiga de Control ou nobríssima mansão Spencer de Resident Evil passam a serem espaços compreensíveis, os quais a familiaridade e o poder acumulado por uma jogadora conseguem gerar uma sensação de segurança. Claro, pode ser que, respectivamente, um fenômeno incompreensível ou um horror biológico apareça e tente acabar com você, mas você vai ter meios para lidar.

O castelo Brennenburg, de Amnesia, não é assim. Não há oportunidade para construir intimidade com suas paredes, primeiramente pois elas estão sempre mudando, não de lugar, mas, conforme Daniel progride, a sombra que o persegue vai assumindo o controle, fazendo com que as muitas salas da imponente construção sejam ocupadas por matéria orgânica tóxica.

Segundo, pelo fato de que o objetivo de nosso personagem não é encontrar a porta da frente, mas sim descer. Conforme vamos colhendo os fragmentos do passado do protagonista, gradativamente somos atingidos pela verdade que a derradeira fuga dos pesadelos que o perseguem não está em encontrar uma saída, mas sim adentrar cada vez mais fundo nas profundezas da gigantesca construção.

Amnesia The Dark Corrupção

Dessa forma, não só nunca ficamos tempo demais em um único lugar, como também os locais que servem de porto seguro vão sendo lentamente contaminados pelo horror que persegue Daniel. Claro, nenhuma mudança ocorre em tempo real, apenas quando determinados objetivos são atingidos, porém o jogo é construído com tanto zelo e com um ritmo tão bem-feito que as artificialidades são facilmente esquecidas.

E esquecer é um dos principais temas do jogo, como você pode descobrir se for perceptiva aos segredos e pistas colocados – além do óbvio título do jogo. Porém, a trama do jogo apresenta o esquecimento como escapatória, não de um lugar, afinal, começamos a jornada presos em um castelo, mas sim de um estado negação e desistência. Você já se sentiu como alguém preso por uma memória desagradável, a qual de impede de fazer ou vivenciar algo? Complicado, não é?

Ainda que não fiquemos muito tempo em um mesmo lugar, a intoxicante atmosfera do castelo Brennenburg e sua arquitetura clássica andam lado a lado com o macabro para conferir identidade à locação. Mesmo que passemos boa parte do tempo agachados em um canto ou fugindo de algo.

Amnesia The Dark Saguão

TATICAL ESPIONAGE HORROR.

Devo confessar que levei tempo para zerar Amnesia. Muito tempo, na verdade. Mais ou menos uma década. Devo tê-lo comprado uns 2 anos após seu lançamento, em 2010, e ainda que me recorde de ter gostado bastante do que o jogo oferecia na época, eu tinha expectavas negativas e erradas sobre o que ele oferecia.

Entendam, esse foi o jogo que engatilhou a revolução de “jogos em primeira pessoa que você não tem como se defender e deve fugir de coisas”.  Mesmo que tenha amado Outlast, sempre carreguei o tolo preconceito que jogos assim foram feitos mais para assustar youtubers do que serem verdadeiramente jogados. E, em razão disso, julguei que Amnesia seria assim.

Porém, não é. Após anos postergando sua jogatina, encontrei uma obra que constrói cada encontro e cada susto com invejável zelo. É surpreendente o quão pouco o cliché de “esconda-se de um inimigo patrulhando” é usado e quanto tempo leva para ser apresentado, na verdade, a maior parte da jornada é composta pela resolução de excelentes enigmas e fugindo da infestação da sombra.

Amnesia the Dark Dispensa

A grande maioria das vezes em que um mostro se faz presente é mais como um ataque da entidade que o persegue, pois a criatura aparece em determinado ambiente, procura por Daniel, vai embora e não mais o perturba.

Com uma ambientação opressiva, história intrigante e ritmo intoxicante, Amnesia: The Dark Descent foi lançado em um momento em que os jogos de terror estavam cada vez mais abraçando a ação, um momento ideal para lembrar para todos os amantes do horror que ainda há razões para temer as sombras. E como um bom vinho ou uma saudosa memória, o jogo se mantém encantador mesmo com o passar do tempo.

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Lançamento
27/09/2018
Desenvolvido por
Frictional Games
Publicado por
Frictional Games
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