Quero começar a análise com o slogan do jogo, “SUA JORNADA DEFINITIVA COMO PILOTO”, então eu me pergunto, será que estou jogando o mesmo jogo?
A franquia Project Cars nasceu de um projeto financiado pelos próprios desenvolvedores e principalmente pela comunidade que curte jogos de corrida. A sigla CARS não remete aos Carros, mas sim uma homenagem a Community Assisted Racing Simulator, ou seja, Simulador de corrida assistido pela comunidade. O jogo foi anunciado em meados de 2012 e com lançamento marcado para 2014, porém o jogo sofreu diversos atrasos e chegou apenas em 2015 para Xbox One, Playstation 4 e PC.
Sem o já conhecido incentivo do distribuidor, Project Cars oferecia a seus financiadores uma série de benefícios, variando de acordo com o pacote adquirido. Alguns pacotes chegavam a oferecer parte do lucro das vendas, gerados nos primeiros 2 anos após o lançamento, sem contar o acesso irrestrito ao fórum privado da Slightly Mad Studios, o World of Mass Development.
Desde o início de seu desenvolvimento, a Slightly Mad Studios deixou claro suas intenções com Project Cars: ser reconhecido como um simulador de corrida realista que pudesse bater de frente com jogos já consagrados, como Gran Turismo e Forza Motorsport. Para a alegria da Slightly Mad Studios e principalmente da comunidade, Project Cars foi um jogo muito bom, superando todas as expectativas.
Essa introdução serviu para ilustrar as raízes de Project Cars, um jogo que nasceu do nada, sem grandes incentivos financeiros e que ganhou status de jogo AAA graças a seus talentosos desenvolvedores e principalmente da comunidade que ama e respira jogos de corrida. Eu conheço toda essa história porque eu vivi este momento, eu era um dos milhares de apoiadores que contribuiu financeiramente para o desenvolvimento do jogo e que também participou das versões alpha e beta, dando feedback sobre bugs, melhorias etc.
Assim que o primeiro Project Cars foi lançado, de imediato, a Slightly Mad Studios deu início a campanha de financiamento de Project Cars 2. Muita gente foi pega de surpresa, “como assim Project Cars 2? eles acabaram de lançar o primeiro jogo!”. Assim como no primeiro jogo eu também participei da campanha de Project Cars 2, porém já era possível perceber que os “saltos” da Slightly Mad Studios estavam um pouco mais altos. Os apoiadores, como eu, não recebiam tanta informação quanto antes, a primeira build demorou cerca de 6 meses para ser liberada, muita gente parou de receber o lucro das vendas geradas pelo primeiro jogo, algo não estava certo!
O projeto continuou, sem o mesmo brilho do primeiro, e em setembro de 2017 Project Cars 2 chegou ao mercado. Neste meio tempo a Slightly Mad Studios passou de, apenas um pequeno grupo de desenvolvedores, para uma empresa com status de grande desenvolvedora. Ensaiaram até a entrada no mercado de consoles com o MAD BOX, que segundo Ian Bell, CEO da Slightly Mad Studios, seria “o console mais poderoso já feito”. Recentemente fomos surpreendidos com a compra da empresa por outra grande desenvolvedora de jogos de corrida, a Codemasters, e desde então nada mais se ouviu sobre o MAD BOX e principalmente a continuação de Project Cars.
Porém em Junho de 2020, em plena quarentena, todos foram surpreendidos com o anúncio de Project Cars 3. O novo jogo da franquia agora sobre a supervisão da Codemasters, prometia trazer muitas novidades e diversas melhorias para single e multiplayer. Confesso que fiquei com a pulga atrás da orelha com este anúncio, após um hiato de quase 3 anos do lançamento de Project Cars 2, DO NADA, eles aparecem anunciando um novo jogo que estaria disponível nos próximos dois meses? será que Project Cars ainda é um bom jogo? Vem conferir a minha análise!
Vamos começar analisando a parte gráfica. Apesar de não saltar aos olhos, Pcars sempre foi um jogo bonito, com circuitos bem reproduzidos, carros detalhados e efeitos visuais que reproduziam o ambiente da corrida próximo das condições reais. Pcars 3 continua sendo muito bonito, eu testei o jogo no Xbox One X, muitas pessoas que testaram a versão para PC confirmaram que o jogo roda bem, porém nas versões básicas do Xbox One e Playstation 4 existem sérios problemas de framerate e bugs visuais.
Jogos como Forza Motorsport e Gran Turismo Sport, “concorrentes” direto de PCars 3, possuem gráficos infinitamente superiores. Os cenários de Forza Motorsport são muito mais ricos e vivos, bem como os carros de Gran Turismo Sport são mais detalhados. Qualidade gráfica nunca foi o foco da franquia, mas eles poderiam ter um pouco mais de cuidado e qualidade.
Algo que me incomodou bastante foi a falta de cuidado e/ou informação da Slightly Mad Studios em representar uma localidade como ela realmente é. Em diversas imagens de divulgação do jogo o circuito de Interlagos é reproduzido de forma bizarra! Uma simples pesquisa por parte dos desenvolvedores revelaria que NÃO EXISTE RODA GIGANTE E KAMIKAZE EM INTERLAGOS.
Outro problema são as traduções de termos comuns, por exemplo, “Boas Vindas” ao iniciar uma corrida? talvez um “Seja bem vindo a…” soaria mais apropriado, aliás existem inúmeros erros de tradução no jogo. Estes erros irritam não apenas porque é notório a falta de cuidado na hora da revisão (na minha opinião é uma falta de respeito com o consumidor brasileiro), mas principalmente porque impacta diretamente na conclusão de alguns desafios, que por estarem traduzidos de forma errada não fornecem a informação correta ao jogador do que ele precisa fazer.
Outra falha gravíssima está diretamente ligada a uma das “novidades” do jogo. A customização dos carros é bem ampla e até certo ponto divertida, porém sempre que um carro é atualizado e o jogador vai para a pista testar as modificações ocorre um glitch no carregamento das texturas. Alguns itens não aparecem, outros somem, até que se passe um certo “tempo” e tudo se estabilize dentro da corrida. Como se não bastasse tudo isso, a variação climática peca na inconstância de tempo, mas principalmente na qualidade visual. Gotas de chuva e flocos de neve são mostrados no pára-brisa como imensos pixels quadrados, horrível!
A parte sonora do jogo não compromete, mas também não ajuda. Jogos com orçamentos bem inferiores, oferecem mais qualidade e uma preocupação maior em representar o ronco dos motores de forma nítida e bem próximo da realidade. Porém a Slightly Mad Studios não deu a devida atenção para esta parte técnica e tocou o barco. O que temos são motores com roncos genéricos, alguns mais agudos e outros mais graves, mas em grande maioria são todos iguais.
A trilha sonora de Pcars3 é composta por basicamente músicas eletrônicas estilo drum and bass e dubstep, extremamente repetitivas e chatas. Com todo o respeito que eles merecem, é como se você contrata-se um estagiário, colocasse ele na frente de um PC e instruísse ele a criar alguns loops eletrônicos no GarageBand. Não existe uma curadoria de trilha sonora apropriada, aliás fica a dica Slightly Mad Studios, simuladores não tem trilha sonora dentro da corrida, isto atrapalha e não agrega em nada na imersão. Esqueçam o que eu disse, Pcars 3 não é um simulador, é um simcade, porém a trilha sonora continua sendo ruim.
Qualquer fã de automobilismo que tenha uma audição apurada consegue distinguir o ronco de um motor Ferrari e o de um Ford, a nível de conhecimento um motor Ferrari é mais agudo e o de um Ford é mais grave. A Slightly Mad Studios com certeza sabe disso, entende as diferenças, mas não deu a devida atenção para tornar-los únicos.
A jogabilidade é o pilar fundamental em um jogo de corrida, e neste ponto nós temos um leque de variáveis que conduzem os jogadores aquela que mais lhe agrada. A meta de Pcars sempre foi ser um simulador, jamais um arcade. Porém Pcars 3 flerta com a inclusão de um novo público em seu radar os amantes de jogos simcades, aqueles que gostam de um desafio superior aos arcades porém sem os detalhes de configuração para alta performance dos simuladores. Atualmente nós temos inúmeros jogos que se encaixam neste perfil (simcade), por isso mesmo, o mínimo que a gente espera de um novo jogo que vai incorporar este tipo perfil é que ele mostre algo diferente dos demais, para não ser apenas mais um. Pcars 3 tenta trazer estas novidades, mas falha miseravelmente em quase tudo.
A história da franquia foi pavimentada sobre a estrada plana da simulação e esta mudança não foi bem aceita pela comunidade. A utilização de um volante em Pcars 3 é no mínimo frustrante, não existem regulagens específicas para o periférico, fica claro que a preocupação maior foi com o conforto para a jogabilidade nos gamepads, ou seja, você estará sub-utilizando o seu volante. As opções de configurações do voltante são capadas demais, por exemplo, a grande maioria dos volantes atuais possuem uma rotação que pode variar de 40º a 900º. Em praticamente todos jogos existe a opção para regular esta rotação, pois bem, Pcars 3 não tem esta opção e ainda te força a calibrar em 900º.
As famosas “ajudas” que tem se tornado comum em jogos simcade, como controle de tração, frenagem automática, controle de estabilidade etc, na verdade, mais atrapalham do que ajudam. Vou dar um exemplo que na minha opinião é o mais crítico de todos, o assistente de direção que tem como função auxiliar o jogador a encontrar o melhor traçado, veja bem AUXILIAR, mantém o carro de forma forçada em uma linha “ideal”. Você não consegue mudar a linha de direção, é como se o carro estivesse sobre trilhos todo o tempo, jogadores menos experientes vão ter a impressão de que o seu controle (gamepad ou volante) está com algum problema.
Outra “ajuda” que também é pouco funcional é a linha de frenagem, ela orienta o jogador a frear o carro em pontos chave, fazendo isso o jogador completa mais facilmente os desafios de curvas perfeitas. Porém as guias são falhas e, novamente, mais atrapalham do que ajudam. Os pontos chave sugeridos estão mais perdidos do que cego em tiroteio. A grande verdade é que, mesmo para os novatos, vale muito mais a pena desligar todas as ajudas e tentar dominar o carro, o que não é tão difícil em jogos simcade. Pelo menos você pode se orgulhar de conduzir o carro de forma livre e ter uma experiência um pouco menos frustrante.
Aparentemente todos os esforços da Slightly Mad Studios foram concentrados no modo campanha, pois esta é talvez a única parte divertida do jogo. Tendo como inspiração o modelo de progressão de outros jogos, como Forza Motorsport, a ideia é vencer as corridas e progredir pelos objetivos, ganhando pontos de experiência para alcançar novas classes.
A campanha possui um total de 10 classes a serem desbloqueadas, sendo que cada classe possui uma categoria de carros específica. Diferentemente de outras edições, onde todos os carros e pistas já estavam liberadas, agora é preciso correr e concluir os objetivos para liberar novos conteúdos. Aliás existe uma moeda interna do jogo que pode ser utilizada para liberar novos carros e peças de atualização, mas nada que você já não tenha visto em outros jogos.
Como eu disse acima, os carros podem ser atualizados, estes aprimoramentos fazem com que eles subam de categoria e possam ser usados em outras corridas contra carros mais potentes, porém isso gera um outro problema! Os carros simplesmente desaparecem da sua lista e só podem ser utilizados após desbloquear eventos que utilizem aquele tipo de categoria específica.
O modo multiplayer segue os padrões de outros jogos. É possível participar de eventos programados, os conhecidos desafios semanais, que são atualizados no servidor de tempos em tempos. Além disso temos as corridas formadas no lobby de jogadores, onde você pode criar o seu próprio evento ou participar de eventos já criados por outros jogadores. Também é possível participar de corridas rápidas, onde o servidor busca pela sessão aberta mais recente e te encaixa para participar. Aliás fica o meu reconhecimento com a “concorrência”, até hoje eu não vi nenhum jogo com um sistema multiplayer tão robusto e cheio de recursos, inclusive para transmissão, como em Gran Turismo Sport, sensacional!
O último modo de jogo é o Rivais, que nada mais é do que desafios de volta rápida baseado em um placar de líderes global. Estes eventos, assim como os do modo multiplayer, são semanais e atualizados constantemente. Você corre contra carros fantasmas que estão a sua frente e precisa superar os tempos dentro das condições de cada desafio para subir no placar.
Para finalizar a análise eu gostaria de destacar o ponto em que Project Cars 3 realmente brilha, o Showroom!
O jogo possuiu uma variedade gigantesca de carros e pistas. Ao todo são mais de 200 carros e 40 marcas, alternando entre super máquinas, carros híbridos, muscle cars e algumas lendas como a icônica Lotus 98T utilizada pelo nosso eterno ídolo Ayrton Senna. A quantidade de pistas também chama a atenção, são mais de 100 circuitos distribuídos entre mistos e super speedway. O destaque especial fica para Interlagos, que mesmo com suas falhas, representa a cultura automobilística Brasileira, aparecendo inclusive em diversas imagens de divulgação do jogo. Outros circuitos importantes no cenário mundial também estão presentes como, Hockenheim (clássico com a floresta), Silverstone, Ímola e o meu preferido em todos jogos de corrida Brands Hatch.
Porém até mesmo onde Pcars 3 brilha, por outro lado ele derrapa. A organização dos carros é muito confusa, existem carros listados fora da sua categoria, carros que você atualizou aparecem duplicados, e por ai vai. Esse tipo de erro frusta completamente o jogador que “se mata” tentando dominar um carro que tem “ajudas” problemáticas, que não tem um controle preciso e customizável (volante), e que no final de tudo, quando finalmente consegue vencer a corrida, vê o seu esforço para comprar o carro dos sonhos se perder em meio a um menu problemático e pouco funcional.
Esta análise só foi possível graças a BANDAI NAMCO Entertainment America Inc. que gentilmente nos disponibilizaram uma cópia para avaliação do jogo, fica aqui o nosso agradecimento e confiança.