O cheiro de bolinho de chuva tomava conta da sala. Naquele momento minha mãe estava preparando o lanche da tarde. Enquanto isso, eu tentava derrotar alguns inimigos em um jogo que teimava em me desafiar. Ao meu lado estavam minhas irmãs e meu pai. Todos torcendo por mim. Embora eu desconfiasse que minhas irmãs queriam o contrário, visto que a regra primordial era: morreu, passa o controle.
Essa lembrança gostosa ficou no passado, em uma época de poucas preocupações e menos correria. Com o passar dos anos as coisas foram mudando, crescemos e fizemos escolhas que nos levaram aos dias de hoje. No mundo dos games não é diferente. O mercado cresceu, se desenvolveu e se tornou esse gigante que movimenta uma quantidade absurda de dinheiro.
Infelizmente muito se perdeu ao longo do tempo. A preocupação de criar algo memorável deu espaço a máquinas de fazer dinheiro. Criatividade e inovação começaram a sumir dando espaço a coisas tenebrosas. Felizmente o cenário indie surgiu com inovações nunca antes vistas. Também houve aqueles que apostaram em mecânicas antigas, mas com roupagens mais modernas. Esse é o caso do Kaze and The Wild Maks, uma carta de amor aos jogos dos anos 90. Essa análise é uma espécie de resposta a essa carta feita com carinho pelo estúdio Pixel Hive.
A história
Kaze e Hogo estão diante de uma porta que dá acesso a um templo. Em seu interior há um artefato mágico, que por algum motivo parece emanar uma certa energia misteriosa. Ambos resolvem entrar e se aproximam do item, até que um deles o toca.
O artefato repele o toque, deixando Kaze desacordada. Hogo entra em desespero, mas o anel o transforma em uma espécie de espírito. Logo depois desses acontecimentos, uma maldição foi liberada e as Ilhas Cristal e seus habitantes correm sério perigo. Kaze terá como missão salvar o amigo Hogo, libertá-lo da maldição e dar fim ao caos pelas ilhas.
A coelhinha contará com a ajuda de quatro itens mágicos, no caso, as Wild Maks. Essas máscaras tem o poder de invocar os poderes dos antigos guardiões: tigre, águia, tubarão e lagarto.
Controles e habilidades na medida certa
Muito se discute sobre qual aspecto é o mais importante em um game. Eu particularmente considero os controles como o mais importante. Do que adianta gráficos de ponta e uma história bem elaborada se na hora que você aperta um botão ou move o direcional para uma direção o personagem não responde adequadamente. Já tivemos um episódio no podcast do Game Mania sobre esse assunto, se tiverem interesse em ouvir, basta clicar aqui.
Kaze and The Wild Masks é um excelente exemplo de como criar um título com ótimos controles. Por se tratar de um game de plataforma, semelhante a velha escola, os comandos precisam inevitavelmente responder da melhor maneira possível. O estúdio nesse quesito fez um gol de placa. Os controles são fluídos e respondem muito bem aos nossos comandos.
Com isso o peso do fracasso cai no colo do jogador. O que eu quero dizer com isso? Que as mortes acontecerão (muitas por sinal), mas todas derivadas da inabilidade ou escolha ruim do jogador. Em meu gameplay não houve um momento se quer de reclamação sobre os controles. Todos os meus fracassos foram por minha culpa.
Os controles são bem simples, um botão para o pulo, outro para o ataque e há derivações baseadas neles. Se pularmos e segurarmos determinado botão a coelha planará por um tempo. Se pularmos, colocarmos o direcional para baixo e pressionarmos outro botão ela descerá com força e atingirá o chão. Além das movimentações básicas, temos o acréscimo dos movimentos especiais fornecidos pelas Wild Masks. O mais incrível disso tudo, que você joga por poucos minutos e consegue dominar essas movimentações facilmente.
Pode ser que nesse momento a nossa memória gamer entre em ação, já que somos veteranos nesse tipo de jogo. Errado. Eu deixei o meu filho de oito anos jogando o game e ele aprendeu os movimentos rapidamente. Um após o outro, de uma forma bem natural. Ao meu ver, mérito para o estúdio que teve competência em entregar essas habilidades na medida certa.
Diante do perigo
O título acerta em vários aspectos e não seria diferente com relação a dificuldade. Assim que iniciamos o game o sistema nos fornece duas opções: modo casual e o modo normal. Os desenvolvedores tiveram o cuidado de descrever esses dois modos de uma forma bem carinhosa.
- Modo casual: corações e checkpoints extras para aqueles jogadores que gostam de um jogo de plataforma, mas que não jogam há um tempo.
- Modo normal: uma verdadeira aventura para jogadores dedicados que adoram um desafio de verdade.
Eu joguei no modo normal e ele tem algumas particularidades, dentre elas, a quantidade de vezes que um inimigo pode nos acertar. Se pegarmos um coração, uma espécie de espírito vermelho ficará ao nosso lado, se formos atingidos ele sumirá. Caso um inimigo nos atinja novamente, morremos na sequência e se você não tiver encontrado o checkpoint, voltará para o início da fase.
O objetivo principal é superar as fases e enfrentar o chefe no final. Ao todo temos quatro mundos, cada um contendo em média sete fases e uma dedicada a batalha contra os chefes. Dentro de um mesmo estágio temos os objetivos secundários, que se forem concluídos darão recompensas ao jogador. Basicamente temos esses:
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- Coletar as letras que formam a palavra KAZE
- Coletar 100 ou mais cristais rosa
- Encontrar as duas fazes bônus e resgatar o cristal verde completo
- Passar a fase com o melhor tempo.
- Passar a fase sem tomar dano.
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Eu vou explicar apenas a recompensa relacionada a coleta de letras. Todas as vezes que formamos a palavra KAZE ganhamos uma joia amarela. Ela ficará listada no menu de álbuns e cada uma delas contem uma parte do passado daquele mundo. Para entendermos melhor a história do game serão necessários coletar todas. Coisa que fiz com o maior prazer.
Beleza gráfica e perfeição no level design
A parte artística é um colírio para os nossos olhos. Os sprites são lindos e muito bem animados. As paletas de cores usadas dependem do mundo que estamos. Na floresta, por exemplo, as cores são vivas e alegres, no mundo tóxico os tons ficam um pouco mais escuros, respeitando o clima do momento.
O level design é primoroso e tudo parece ter sido feito com o máximo de cuidado. Há fases onde pulamos de corda em corda o tempo todo, outras que se assemelham a uma espécie de corrida, fora as que o ambiente tenta de matar, como a subida repentina do nível do rio tóxico. Tudo isso acontece de uma maneira tão primorosa, que várias vezes fiz questão de concluir o nível e em seguida voltei para ele, com o objetivo de coletar os itens que faltavam.
Se tem uma coisa que pode estragar a experiência em um jogo é a sensação de repetição inútil. Sabe aquelas tarefas que são chatas pra caramba e que as vezes fazemos uma vez apenas (quando o título não nos obriga), para ver como é. Então, aqui não há nada semelhante isso. Pegar todas as letras é muito legal, encontrar as fases bônus para pegar o cristal verde é um verdadeiro desafio, completar a fase sem tomar dano traz uma sensação única de satisfação. Eu ficava inconformado quando terminava uma fase sem pegar todos os cristais rosas. O botão de tentar novamente era pressionado na hora.
Para concluir essa parte, não posso deixar de comentar a variação de gameplay que as máscaras trazem. A do tigre, por exemplo, permite que a coelha execute um dash, que se tocar no inimigo o destrói na hora. Mas durante as fases, você perceberá que esse poder será usado para superar várias armadilhas, de plataformas que caem, a paredes que teimam em nos atrapalhar. Todas as máscaras, sem exceção, acrescentam de uma forma absurda o gameplay do Kaze and The Wild Masks. BAITA acerto do estúdio.
Concluindo a carta
O cheiro de bolo de fubá tomava conta do ambiente. Minha esposa, naquele momento, estava terminando o nosso café da tarde. Eu estava naquele momento batalhando contra um chefe que lembra uma cebola roxa. Meu filho, que estava ao meu lado, vibrava com cada ataque que eu acertava. O café quente cheirava maravilhosamente e naquele momento me lembrei do passado.
Um sentimento de alegria me tomou e percebi que aquele momento era uma espécie de repetição do ciclo da vida. Outrora era eu, minhas irmãs, pai e mãe. Agora eu era o pai, meu filho e esposa, juntos em um hobbie que adoro desde que me conheço por gente. Alguns jogos tem o poder de nos levar ao passado, as vezes, de recriar momentos maravilhosos que tivemos com pessoas que curtimos e amamos. O Kaze teve o poder de fazer isso comigo.
Kaze and The Wild Masks é um jogo maravilhoso, que compreende muito bem o poder da nostalgia, mas que não depende somente desse poder, mesclando-o a ideias inéditas e muito bem executadas. Uma harmoniosa combinação que me emocionou ao final do game. Ainda há coisas a serem feitas no jogo, muitos cristais para se coletar. Que o farei sim, com dedicação e carinho, sempre ao lado das pessoas que amo.
Esta análise só foi possível graças a Pixel Hive e SOEDESCO, que gentilmente nos disponibilizaram uma cópia para avaliação do jogo, fica aqui o nosso agradecimento pela confiança. O jogo já está disponível para Xbox One e Xbox Series X|S e pode ser adquirido por meio do nosso link afiliado no final desta análise.